Queda no número de usuários de ônibus em BH é a maior em 11 anos
Os ônibus do transporte coletivo de Belo Horizonte perderam quase 33 milhões de passageiros entre 2016 e 2017. A queda de 8%, que equivale a quase 90 mil pessoas por dia, é a maior registrada nos últimos 11 anos. Segundo a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), no primeiro ano, foram 408,2 milhões de usuários, enquanto no seguinte foram 375,4 milhões.
Os reflexos da crise econômica, sobretudo o desemprego, contribuíram para a redução da demanda, mas, de acordo com especialistas, a baixa qualidade do serviço também tornou o transporte coletivo menos atrativo e faz com que cada vez mais pessoas migrem para modais individuais. Na avaliação deles, as tarifas altas favorecem a fuga de usuários e geram um ciclo problemático, que precisa ser enfrentado com investimento e políticas públicas.
Em 2002, 45% dos deslocamentos eram feitos no transporte coletivo na capital, e 26% eram realizados em modais individuais, conforme o Plano de Mobilidade Urbana de BH. Dez anos depois, o quadro se inverteu, e 37% das viagens passaram a ser realizadas em carros e motos, e 28% delas, em ônibus e metrô. Mais veículos na rua geram mais congestionamentos e aumentam o tempo das viagens para todos, inclusive para quem usa os coletivos – nesse caso, a média passou de 36,2 para 59,3 minutos no período.
“Há 20 anos, os ônibus rodavam a 25 km/h e tinham uma demanda crescente. Hoje, a velocidade média é de 12 km/h nos grandes centros, e as viagens ficaram muito morosas. A ideia de ficar parado dentro do ônibus cheio faz as pessoas migrarem para o transporte individual”, afirma o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha.
Custo.E quanto mais pessoas abandonam o serviço, mais caro ele fica. Pesquisa realizada pela entidade no ano passado mostra que 68% dos passageiros que deixaram de usar o transporte coletivo retornariam se ele fosse R$ 1 mais barato. A redução da tarifa, no entanto, depende, segundo especialistas, da mudança na forma de financiamento do transporte público, que, em Belo Horizonte e em outras cidades do país, como Rio de Janeiro, é custeado exclusivamente pelo usuário.
Mas, segundo a BHTrans, não há previsão de subsidiar as tarifas. “Os melhores sistemas de transporte no mundo são caros, e, nestes casos, não é o usuário que paga tudo. O modelo brasileiro é insustentável e faz com que o transporte público esteja num ciclo vicioso: sem recurso suficiente para aprimoramento, levando ao sucateamento. É fundamental ampliarmos as fontes de financiamento”, diz a diretora executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, Clarisse Linke.
Segundo ela, uma alternativa seria o transporte individual financiar, em parte, o coletivo, por meio da cobrança de estacionamento em vias públicas e da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como Cide Municipal, que permite às prefeituras cobrar um percentual sobre a venda de combustíveis.
Setor ainda tem que melhorar estrutura
A necessidade de investimentos em infraestrutura para melhorar a qualidade do transporte público é consenso entre os especialistas e representantes do setor. “É preciso levar para o sistema qualidades relevantes para o usuário, como pontualidade e velocidade maior, e, para isso, é preciso investimento em infraestrutura: vias segregadas, mais agilidade no embarque e prioridade nos cruzamentos e semáforos”, aponta o superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos, Luiz Carlos Néspoli.
A diretora executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, Clarisse Linke, diz que o transporte público precisa ser vantajoso para quem o usa. “Não só do ponto de vista da coletividade, mas também como escolha individual de deslocamento”, diz. Segundo a BHTrans, a cidade tem cerca de 31 km de faixas exclusivas, e outros 80 km estão planejados.
Mudanças previstas em plano
Priorizar o transporte coletivo e desestimular os modais individuais, além de implantar o Fundo Municipal de Melhoria da Qualidade e Subsídio ao Transporte Coletivo, para financiar o serviço e reduzir as tarifas, estão entre as metas do Plano de Mobilidade Urbana da capital.
Para isso, estão previstas medidas como a restrição de vagas de estacionamento na área central e a sobretaxa de estacionamentos privados, a implantação de novos BRTs e a redução de tarifas fora dos horários pico. As ações previstas no projeto têm prazo de implementação de 2020 até 2030.
Um dos principais desafios é a implantação das linhas 2 e 3 do metrô, demanda antiga da população que não tem previsão de ocorrer. De acordo com a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), as obras, que haviam sido selecionadas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), não vão mais receber recursos do governo federal devido à crise econômica.
Segundo a BHTrans, várias ações já foram concluídas ou iniciadas, como a criação do Move – que atende cerca de 450 mil passageiros por dia –, a instalação de novos abrigos de ônibus, a implantação de 83 km de ciclovias e as melhorias das condições físicas e tempos semafóricos de travessias para os pedestres.
Belo Horizonte está entre os 5,8% dos municípios brasileiros que concluíram os planos de mobilidade. Segundo levantamento do governo federal, 194 cidades declararam ter o plano, de um total de 3.342. A partir de abril de 2019, os municípios que não tiverem elaborado o documento vão ser impedidos de obter recursos federais na área de mobilidade urbana.
Saiba mais
Financiamento. Segundo a Prefeitura de São Paulo, o transporte público da cidade é financiado pelas tarifas pagas pelos usuários e por subsídios do orçamento municipal.
Fuga. Segundo a NTU, 30% das pessoas se deslocam a pé no Brasil por não terem como pagar o transporte público.
Gratuidades. Usuários que têm direito à gratuidade nos ônibus de BH, como idosos, pessoas com deficiência e carteiros, entre outros, são 10,28% do total de passageiros pagantes, segundo a BHTrans.
EDITORIAL
Cada dia mais difícil
Eles se atrasam, chacoalham e, nos horários de pico, são cheios demais. Ocasionalmente, são bons. Mas, acima de tudo, os ônibus são um mistério oculto por aquilo que o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, já chamou de “caixa-preta”. Não importa quantos levantamentos surjam afirmando que as passagens em Belo Horizonte são mais baratas que em outras cidades do mesmo porte. Para a pessoa que paga, seja do próprio bolso ou na forma do vale-transporte concedido ao empregado, o preço é alto, e ponto final.
Não é à toa que o sistema de transporte coletivo em Belo Horizonte tenha perdido, entre 2016 e 2017, quase 33 milhões de passageiros. Todo dia, 90 mil pessoas que antes andavam de ônibus estão deixando de usar o serviço. A recessão que o país atravessou, causadora do aumento do desemprego, torna fácil a escolha do chefe de família que, com o dinheiro da passagem, pode comprar 1 kg de feijão: vai andar a pé, mas vai comer.
De outro lado estão aqueles que desistiram dos ônibus não por falta de recursos, mas pela adesão a outras modalidades, como o uso de carros compartilhados e bicicletas ou mesmo a compra do veículo próprio. Para estes, a insatisfação é mais com a qualidade do serviço que com o preço. E tende a piorar, porque mais veículos nas ruas complicam o trânsito no qual os mesmos ônibus ficarão parados, aumentando as queixas de quem está dentro deles.
Cria-se um “efeito Tostines”. As empresas de ônibus estão perdendo passageiros porque o preço é alto ou o preço é alto porque o número de passageiros está diminuindo?
Com menos gente pagando, e sem subsídios, a tendência é justificar-se um novo aumento, reforçado pelo alto preço do diesel – pressupondo-se que deve haver um rateio das despesas. Alternativas como um preço dinâmico, mais baixo fora dos horários de pico, deveriam ser consideradas. Transparência quanto aos gastos das empresas do setor, que é bom, anda em falta. Faltam também soluções para um modelo insustentável.
Fonte: O Tempo
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