Com queda de aportes públicos e de usuários, empresários querem abandonar setor de transportes

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Não fossem os passageiros vidrados nos celulares, muitos deles assistindo on-line à disputa de pênaltis entre Colômbia e Inglaterra na terça-feira passada, poderia parecer uma viagem de meio século atrás. O cenário era da época: um trem do ramal Belford Roxo da SuperVia, fabricado na década de 1970, sem ar-condicionado e avisos sonoros para indicar as estações, barulhento, sujo e que não tinha sequer assentos preferenciais. Um exemplo cabal de que, apesar dos vultosos investimentos para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, quem depende do transporte de massa ainda pena para se locomover no Rio. E com agravantes: os aportes públicos no setor despencaram, e as empresas que operam o sistema tentam desembarcar do negócio, no qual registraram queda do número de passageiros e resultados negativos, sobretudo no ano passado.
Barcas, metrô e trens estão em vias de mudar de donos. Nos ônibus, várias empresas faliram, e os passageiros reclamam do desaparecimento de várias linhas. Enquanto durou o período de fartura, só o governo do estado investiu R$ 11,7 bilhões, de 2010 a 2016, na subfunção “transportes coletivos urbanos”. Apenas em 2015, com a Linha 4 do metrô em construção, foram pagos R$ 3,55 bilhões, e, em 2016, um total de R$ 1,4 bilhão. Em 2017, foram R$ 413 milhões, quase 90% a menos que no ano que antecedeu os Jogos do Rio, de acordo com uma consulta ao site das contas fluminenses.
Já o município, que, em 2016, desembolsou R$ 96,6 milhões no programa “transportes e mobilidade urbana”, aplicou no ano passado menos da metade: R$ 42,4 milhões. No programa do BRT Transbrasil, os pagamentos alcançaram R$ 519 milhões em 2016, mas caíram para R$ 134 milhões ano passado. As obras estão paradas, transformando num inferno a vida de quem depende da Avenida Brasil, como a vigilante Márcia Soares, moradora de Bangu:
— Acordo às 3h20m, com medo de engarrafamentos e da possibilidade de o ônibus demorar a passar ou quebrar no meio do caminho. Os veículos da linha 393 (Bangu-Candelária) são sujos, com ferros e bancos soltos.
Os gargalos que roubam tempo e paciência da população são, muitos deles, velhos conhecidos. Os atrasos na Transbrasil, responsabilidade da prefeitura, são um dos entraves a uma nova licitação para os ônibus intermunicipais (não há definições de como as linhas de outras cidades chegarão ao Centro). A cargo do estado, a construção da estação de metrô da Gávea não tem previsão de retomada, e outras extensões, como o trecho Estácio-Carioca, continuam no plano das ideias.
Há ainda investimentos que continuam incompletos, como a renovação da frota de trens e de barcas. No caso das ligações aquaviárias, a promessa do governo era a compra de seis novas embarcações chinesas. Só três foram entregues, e estão em circulação. Para as demais, os recursos acabaram.
— Nas barcas antigas, sempre que chove, tem goteira. Já vi gente que escorregou por causa das poças que se formam. É sempre cheio. Frequentemente viajo sentado no chão — diz o eletricista Luiz Alberto Moura.
No modal, a mudança de comando é quase certa. A CCR Barcas entrou na Justiça para devolver a concessão, alegando prejuízos na operação. No último balanço divulgado, a empresa declara ter fechado 2017 com R$ 84,2 milhões no vermelho, e prejuízos acumulados de R$ 526 milhões. Promessas como a criação de uma linha para São Gonçalo ficaram à deriva. A CCR não se manifesta sobre a situação. De qualquer maneira, há uma nova licitação em andamento, e o governo do estado prevê analisar as propostas dos concorrentes no início de agosto. Quem vencer terá uma outorga de 20 anos, afirma o secretário estadual de Transportes, Rodrigo Vieira:
— A concessão atual é um contrato antigo (de 1997) e inadequado. A nova licitação propõe novidades. Possibilita que a concessionária sugira linhas, sociais ou seletivas, de passageiros ou de carga, para as baías de Guanabara e da Ilha Grande. Também permite embarcações menores para atender demandas específicas. Três novas linhas são consideradas no documento: a de São Gonçalo, de Duque de Caxias e a ligação entre os aeroportos Santos Dumont e do Galeão-Tom Jobim.
Segundo Vieira, o estado mantém o compromisso de entrega de novas barcas. Ele admite que as embarcações atrasaram devido à crise, mas diz que o Rio ainda deve receber ao menos uma até o fim do ano, produzida no Ceará, com capacidade para 500 passageiros:
— Para as outras, é preciso financiamentos.
Vieira garante também que, até dezembro, passam às mãos da SuperVia os quatro trens (cada um com oito vagões) que faltam para a renovação da frota. Outros dois, diz ele, já foram entregues e estão em teste. Entre 2012 e 2016, 120 trens novos (cem chineses e 20 nacionais) entraram em circulação. Houve avanços, reconhecem os passageiros. Mas ramais como o de Belford Roxo e Japeri ainda são preteridos, com composições antigas e superlotadas. Há 30 anos fazendo diariamente o trajeto Nilópolis-Central no ramal Japeri, a contadora Mônica Cabral já sofreu um acidente sério durante uma confusão do horário de pico:
— Quebrei um braço no tumulto para entrar no vagão. Fui empurrada.
VENDAS PRECISAM DE APROVAÇÃO DO ESTADO
A SuperVia — com dívidas de R$ 1,3 bilhão, embora tenha apresentado lucro de R$ 28,2 milhões em 2017 — também pode ter troca em sua composição acionária em breve. Já dura dois anos o processo de venda da parcela da Odebrecht na concessionária. A operação tem o objetivo de restabelecer o equilíbrio financeiro da empresa, afetado pela Operação Lava-Jato.
Outra que está em busca de um comprador é a Invepar, sócia do MetrôRio, igualmente afetada pela Lava-Jato e pela crise financeira. Mesmo com a entrada em operação da Linha 4, entre Ipanema e Barra, desde 2016, o metrô carioca registrou um prejuízo de R$ 6,1 milhões no ano passado, segundo balanço da concessionária. O mesmo documento aponta que, ao fim de 2017, a empresa tinha dívida líquida de R$ 891,1 milhões.
O secretário Rodrigo Vieira, no entanto, afirma que tanto o metrô quanto os trens são ativos valiosos, e, por isso, estão à venda. Ele diz não se preocupar com as negociações, mas afirma que tudo dependerá de aprovação do estado:
— Vamos analisar se a futura estrutura acionária tem como fazer frente ao que está no edital. O metrô, por exemplo, já mudou de mãos algumas vezes. A própria chegada da Invepar é recente.
Vieira admite que a crise afetou investimentos do governo no setor. Mas ressalta que, enquanto não há recursos para obras, os esforços se voltam para o planejamento do futuro, como a conclusão recente do Plano Diretor Metroviário:
— O Rio passou décadas fazendo 200 metros de metrô por ano. Avançamos muito, mas ainda temos atraso. O estado não pode parar de fazer investimento em transporte de massa. Por isso, quando tivemos o soluço do recurso, planejamos.
No caso dos ônibus, a Fetranspor diz que estudo da consultoria Ernst &Young estima em R$ 750 milhões as perdas acumuladas entre 2011 e 2016.
DIMINUIÇÃO DE NÚMERO DE PASSAGEIROS
A escassez de investimentos chegou junto com a diminuição do número de passageiros nos principais modais. Na crise, com mais gente desempregada e menos deslocamentos, metrô, trens e barcas perderam 30,2 milhões de usuários (queda de 6,6%) entre 2016 e 2017, de acordo com a Agetransp, a agência reguladora dos transportes do estado. No mesmo período, os ônibus tiveram 108,5 milhões de passageiros a menos (redução de 8,4%) apenas no município do Rio, segundo dados da Fetranspor, entidade que representa empresas do setor. Essa redução, porém, não se traduziu em mais espaço nas viagens.
— Uma sardinha fica mais confortável na lata do que eu no vagão do metrô — diz o expedidor Weverton Barbosa, que diariamente vai de Tomás Coelho a São Conrado pelos trilhos. — Costumo esperar duas ou três composições passarem até vir uma menos cheia.
Nas linhas 1 e 2 do metrô, a queda no número de passageiros em 2017 foi de 15,5%. Em 2016, foram 240,9 milhões, contra 202,8 milhões no ano passado. Nem o aumento do número de passageiros na Linha 4 compensou a perda. Consideradas as três linhas juntas, a queda foi de 2,3%, fechando 2017 com 244,7 milhões de usuários, segundo dados da Agetransp.
Além da crise, a concessionária MetrôRio afirma que a “demanda também é afetada pela falta de melhor planejamento da rede de transportes da cidade”. Nas barcas, foram 24 milhões de passageiros dois anos atrás, e, em 2017, cerca de 19,7 milhões (contra 31 milhões registrados em 1992). Enquanto, na SuperVia, atingiu-se o ápice de 181,1 milhões de passageiros no ano da Olimpíada. Em 2017, a queda foi brusca, para 160,7 milhões.
LOTAÇÃO NA HORA DO RUSH
Apesar de o sistema estar operando abaixo da capacidade, a hora do rush continua sendo um verdadeiro “Deus nos acuda”. Na última terça-feira, por volta das 17h40m, o vagão feminino no trem da Central para Japeri estava intransitável. Menos para os ambulantes irregulares, que atravessavam a composição carregando as mercadorias por cima da cabeça das mulheres. Os avisos sonoros do trem não funcionavam. No meio da confusão, era impossível identificar a próxima estação.
Para o engenheiro de transportes Paulo Cesar Ribeiro, da Coppe/UFRJ, a lotação nos trens e no metrô na hora do rush é natural em várias partes do mundo. Mas ele diz que o sufoco no Rio poderia ser mitigado com soluções que os grandes investimentos até 2016 não implementaram. Para ele, a reorganização do sistema de ônibus não foi concluída. Nos tempos de bonança, tampouco aproveitou-se os recursos para concretizar a extensão da Linha 2 entre Estácio e Carioca, passando pela Cruz Vermelha. Significariam dois caminhos do metrô pelo Centro.
Ribeiro lembra ainda que as mudanças promovidas pelo Porto Maravilha na Praça Quinze deixaram a estação das barcas mais distante dos pontos de várias linhas de ônibus, que antes paravam no Mergulhão. Para quem não quer caminhar mais, a opção é o VLT. Os dois modais, contudo, não têm integração tarifária.
— Há vários fios soltos na integração, e esse é um de nossos grandes problemas. Após organizarmos a questão tarifária, precisaríamos de estudos sérios para melhorar a integração física, com mais estações multimodais, por exemplo. Isso daria mais eficiência ao sistema, que teria custos menores. Mas ninguém faz, e a população paga o pato — diz ele.
Numa das poucas estações multimodais existentes, a do Maracanã, a capacidade ociosa fica evidente, mesmo no rush da tarde. Uma explicação pode ser a falta de integração tarifária entre metrô e trem.
— De Cosmos, onde moro, até o trabalho, em Del Castilho, eu poderia pegar o trem do ramal de Santa Cruz e, depois, o metrô, no Maracanã. Mas, para não pagar duas passagens, faço a baldeação no próprio trem. No segundo trecho, pego as composições do ramal de Belford Roxo, mesmo velhas, sem muita previsibilidade de horário e descendo numa estação abandonada e perigosa — reclama a costureira Solange da Silva.
VANDALISMO E VIOLÊNCIA
Na estação de Del Castilho, onde Solange desce, é comum ver usuários de drogas na plataforma. Dali até Triagem, passando pelo Jacarezinho, eles se multiplicam também à beira dos trilhos, perto de barracos que não param de crescer na faixa marginal da SuperVia. O vandalismo e a violência também são inimigos do sistema. Na última terça-feira, o ramal de Gramacho ficou uma hora fechado devido a um tiroteio perto de Manguinhos. Este ano, problemas de segurança interromperam a operação 13 vezes, total ou parcialmente.
Todos os cem novos trens chineses em operação, diz a SuperVia, já tiveram vidros quebrados ao menos uma vez. “Para jogar objetos contra os trens em movimento, crianças e adultos invadem a linha férrea ou se posicionam sobre passarelas e viadutos. Em 2017, a concessionária gastou R$ 1,8 milhão com a substituição de 110 para-brisas”, diz uma nota da empresa.
Grávida de três meses, a operadora de telemarketing Ana Carolina Nascimento esperava, terça-feira, a liberação do ramal de Gramacho na estação do Maracanã. Quando tentou ir ao banheiro da estação, encontrou as portas fechadas.
— Isso sempre acontece — lamentou Ana Carolina.
Fonte: O Globo

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