Uma confortável viagem ao passado a bordo da Viação Cometa
O clássico ônibus da Viação Cometa, o Flecha Azul, que há cinco anos voltou a rodar em homenagem aos 65 anos da empresa, esteve domingo em Sorocaba dentro do roteiro em comemoração desta vez das sete décadas de sua fundação. E como já era esperado, o ônibus, também chamado de Rei da Estrada, atraiu a atenção não apenas dos aficionados pelo setor, como também de pessoas que mesmo em trânsito, ou aguardando em outras plataformas para embarcar, se surpreenderam ao revê-lo.
Mas qual é a magia despertada pelo Flecha Azul? A resposta, dada por alguns dos passageiros que, juntamente com a reportagem fizeram o trecho São Paulo-Sorocaba, é simples: "ele faz parte das nossas vidas e nos faz voltar no tempo".
O embarque no Terminal Rodoviário da Barra Funda, em São Paulo, estava marcado para as 10h15, mas o ônibus só conseguiu deixar a plataforma às 10h32, tamanha a agitação que se formou tão logo o Flecha Azul, conduzido pelo motorista Valdemir Freitas, 53, chegou. Detalhe: grande parte dos passageiros que lá estavam era mesmo daqui, que viajou para a Capital somente para, mais uma vez, relembrar o conforto em poder baixar a poltrona, toda de couro vermelho, sem atrapalhar quem está atrás, ou mesmo para tornar a ouvir o ronco do motor, classificado por alguns como "uma sinfonia".
Na saída, um coro se formou pedindo "Raposo" (rodovia Raposo Tavares), numa tentativa em conseguir um percurso mais longo e a oportunidade de ficar mais tempo dentro do ônibus que deixou de ser fabricado em 1999, mas circulou até início dos anos 2000. Mas o trajeto foi mesmo via Castelo Branco.
E não é à toa que os apaixonados pelo Flecha Azul atribuem a ele memórias afetivas. O paraibano José Ferreira da Silva, 83 anos, e que há 50 vive em Sorocaba, enfatizou que o ônibus o remete lembranças do tempo em que ainda atuava como comerciante e viajava semanalmente para a capital. O filho Eduardo Ferreira, 39, que o presenteou com a passagem e o acompanhou, falou que "não tem como o olho não brilhar" quando se está num Flecha Azul.
Outra história de vidas que se cruzaram pelos ônibus da Viação Cometa, tendo o Flecha Azul como testemunha, é a do casal Adelina Modesto Maciel, 65, e Félix Geraldo Maciel, 67 anos. Eles se conheceram dentro do ônibus da linha São Paulo-Sorocaba e que entre namoro e casamento, lá se vão 49 anos. O ônibus da época não era exatamente o Flecha Azul (eram o Ciferal Turbo Jumbo e o Ciferal Dinossauro), mas mesmo assim a pedagoga sorocabana e o técnico de elevadores paulistano se emocionaram por poder reviver suas histórias.
O filho do casal, César Maciel, filmou todo o trajeto do ônibus até a entrada de Osasco, onde mora, e assim como ele, em todo percurso, até mesmo motoristas de outras empresas de ônibus buzinavam e acenavam para o Flecha Azul, numa forma de reverência ao ônibus que também "é um ícone por fazer parte da história do transporte rodoviário, a ponto de pessoas que não são busólogas o reconhecerem como o ônibus da Cometa", como explica o jornalista Adamo Bazani, 39, que estava entre os passageiros.
Pela admiração ao Flecha Azul todo esforço é válido: o agente universitário Emerson Lima, 42, veio de Londrina (PR) somente para a viagem comemorativa, e o ator, cantor e dançarino Eduardo Mafalda, 38 anos, comprou passagens para alguns dos destinos comemorativos pelos 70 anos da Cometa: Rio de Janeiro, Rezende, Poços de Caldas, Itapetininga, Lorena, Caxambu, Santos e Sorocaba.
E foi também por admiração ao Rei da Estrada que o caminhoneiro baiano Jackson Monteiro Santos, 32, desde 96 em São Paulo, embarcou com a esposa Tamires e o filho Alan, de 4 anos: "queria reviver e mostrar o Flecha Azul ao meu filho", explicou. Mas sorte mesmo teve o votorantinense Guilherme Rodrigues Gonçalves, 37, que ao chegar na Barra Funda comprou passagem para Sorocaba sem saber que viajaria no lendário ônibus da Cometa.
Já em Sorocaba, o Flecha Azul foi recebido por dezenas de pessoas que o aguardavam munidos de câmeras fotográficas, celulares, para mais uma foto de recordação. O assédio foi tanto que o motorista precisou levá-lo na parte frontal da rodoviária (o desembarque é nos fundos) para mais fotos e até mesmo demonstração do motor em funcionamento. Às 15h30, o Flecha Azul voltou para São Paulo, e novamente foi cercado pelos fãs.
Um clássico nas estradas do país
O CMA Flecha Azul foi fabricado entre 1983 a 1999 em oito versões pela Companhia de Manufatura Auxiliar (CMA), depois que a Ciferal, do Rio de Janeiro, parou de fabricar o Dinossauro (modelo anterior ao Flecha Azul). Mas o ônibus restaurado, de prefixo 7455, utilizado para as comemorações de 65 e 70 anos da Viação Cometa, não foi último a ser produzido pela CMA, sendo na verdade um Flecha Azul VII. Isso porque, depois desse carro, ainda rodaram os de prefixos 7500 e 7501, que chegaram até a fazer o trecho Sorocaba/São Paulo.
Sucessor dos também lendários GM PD-4104 Morubixaba (1954), Ciferal Turbo Jumbo (1969) e Ciferal Dinossauro (1972), entre outros, seus modelos apenas divergiam em detalhes da carroceria, configuração interna e versão do motor Scania.
O nome Flecha Azul se justifica pela combinação da carroceria de alumínio, associada à potência do motor Scania - o Flecha VII utiliza o K113CL, de 360 cavalos. A explicação é do professor e empresário Humberto Liber, de 37 anos, de São Roque, que restaura o CMA Flecha Azul de prefixo 7171, realizando assim um sonho de menino, conforme descreveu em matéria para o Cruzeiro do Sul ano passado.
Há 21 anos na Viação Cometa, o motorista Valdemir Freitas, escolhido para junto do motorista W. Santos fazer as viagens comemorativas dos 70 anos, afirma que "o Flecha Azul não deixa a desejar em nada para os novos modelos de ônibus, que são automáticos, enquanto ele ainda é manual". Para Valdemir, voltar a conduzi-lo é também motivo de satisfação.
Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul
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