Transporte rodoviário em Minas ainda é inacessível às pessoas com deficiência
A falta de acessibilidade no transporte coletivo intermunicipal e interestadual ainda é um grande desafio enfrentado por pessoas com deficiência. O direito de ir e vir, garantido pela Constituição Federal, é gravemente ferido e se torna inatingível para os passageiros que desejam viajar com segurança e sem constrangimento nos veículos das empresas que operam no Terminal Rodoviário Miguel Mansur, em Juiz de Fora. A acessibilidade é assegurada na legislação. A Lei nº 10.098, de dezembro de 2000, dispõe sobre o assunto. O Decreto nº 5.296, de dezembro de 2004, afirma que a frota de veículos de transporte coletivo rodoviário e a infraestrutura dos serviços deveriam estar totalmente adaptados desde 2014. A Resolução nº 371, de agosto de 2012, estabelece que as empresas cumpram condições específicas para permitir o atendimento a quem tem deficiência ou mobilidade reduzida. Já a Lei nº 7.405, de novembro de 1985, determina que o Símbolo Internacional de Acesso só pode ser usado em locais que este público pode circular, ter acesso e utilizar os serviços. Apesar disso, empresas, órgãos de fiscalização e a própria sociedade fazem “vista grossa” ao descumprimento das normas.
Nesta quinta-feira (28), um grupo liderado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CMDPD) tentou viajar de Juiz de Fora para Belo Horizonte, onde estava agendada reunião entre representantes dos conselhos municipais de Santos Dumont e Barbacena, do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conped), da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), da OAB/MG e da Assembleia Legislativa, para discutir a falta de acessibilidade no transporte coletivo intermunicipal e interestadual. Os obstáculos começaram no momento do embarque. Tanto o ônibus da empresa Saritur, responsável pelo trajeto, quanto o terminal rodoviário não possuíam sistema adaptado para interligar veículo à plataforma.
Apesar de ter o Símbolo Internacional de Acesso plotado na porta de entrada, o ônibus também não dispunha de plataforma elevatória, espaços adequados para entrada e circulação dos passageiros, e assentos especiais. “Não é uma situação exclusiva desta empresa. Não existe nenhum ônibus adaptado, apesar da determinação em lei. A pessoa com deficiência é impedida de viajar de forma digna”, afirma o aposentado Wellington Lino Mendes Cavalcanti Cunha. “Tenho filhos e netos no Rio de Janeiro, e só posso visitá-los se for de carro. Quando viajei para conhecer meu primeiro neto, fui empurrado pelos glúteos para dentro do ônibus de viagem. Uma situação vexatória.” A deficiência de Wellington foi adquirida com um ano e dois meses por conta de paralisia infantil.
O presidente do CMDPD, Wesley Barbosa, informou que os conselhos municipais da região já acionaram o Ministério Público Federal. As mesmas dificuldades enfrentadas pelo grupo na rodoviária juiz-forana ocorreram com as pessoas que tentaram embarcar em Santos Dumont e Barbacena. “A lei não é cumprida, e o Símbolo Internacional de Acesso é usado de forma indevida. Os ônibus das empresas não são adaptados, e os funcionários não são capacitados para nos receber. Há muitos casos em que há boa vontade, mas não há treinamento para isto. O transporte coletivo intermunicipal e interestadual não é acessível.” Ele destaca que o último Censo do IBGE, realizado em 2010, mostrou que 14,5% da população juiz-forana possuíam algum tipo de deficiência, o que em números significava mais de 70 mil pessoas.
Após mais de duas horas, parte do grupo não viaja
O ônibus que tinha partida prevista para às 7h só saiu do terminal rodoviário depois das 9h, mas não levou todas as pessoas com deficiência que queriam embarcar. Enquanto o grupo aguardava uma solução para conseguir viajar de forma segura e sem constrangimento, a empresa realocou os passageiros sem deficiência em outro veículo que saiu às 8h15, alegando que aquelas pessoas “tinham horário para cumprir”. Durante a espera pela resolução, o aposentado Wellington Lino Mendes Cavalcanti Cunha chegou a se desculpar com quem aguardava no interior do veículo, mas não encontrou muita empatia por parte dos passageiros. Um dos funcionários da empresa chegou a afirmar que o grupo “queria fazer drama”.
A alternativa apresentada ao grupo foi o uso de uma cadeira de transbordo disponibilizada pelo Terminal Rodoviário Miguel Mansur. O objeto foi proibido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) em 2016. Apesar de insegura com a situação, a ex-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CMDPD), Valéria Andrade, aceitou viajar utilizando o assento. “É uma forma de mostrar como o transporte não é acessível. Não nos dão segurança, autonomia e dignidade.”
Após a entrega da cadeira, o embarque de Valéria demorou mais um tempo, pois os funcionários não sabiam manusear o objeto. Eles relataram que as pessoas com deficiência física que embarcam no terminal costumam estar acompanhadas. Quando sozinhas, entram nos ônibus sentando de degrau em degrau ou são carregadas pelos funcionários.
Para o embarque de Wellington e do músico Fernando Littieri, 52 anos, a alternativa seria carregá-los no colo, o que os fizeram desistir da viagem. “Compramos as passagens de ida e volta, mas a empresa não nos garante acessibilidade de forma segura e digna. Estamos abrindo mão de viajar e vamos autorizar o ônibus a seguir. Os funcionários se esforçaram, mas não conseguem oferecer acessibilidade. Vamos tomar providências”, afirmou Wellington. “Quando eu era mais jovem e ágil, eu me ajoelhava e arrastava dentro do veículo, mas isto não é mais possível. Sou músico e deixo de realizar shows porque, dependendo da distância, o trajeto de carro fica muito caro. Infelizmente, as empresas de ônibus nos impedem de viajar”, disse Fernando.
Empresa confirma inacessibilidade; mas fiscalização ainda é ineficiente
O encarregado da Saritur em Juiz de Fora, Welington de Oliveira, confirmou a falta de acessibilidade do transporte oferecido pela empresa. “Os ônibus não possuem elevadores ou outro sistema adaptado. Não temos uma orientação específica para as pessoas com deficiência que querem viajar.” No entanto, ele diz que os funcionários recebem capacitação para atender este público. Com relação à expectativa de possibilidade da adaptação da frota, ele informou que apenas a direção poderia falar sobre o assunto. A Tribuna tentou contato pelos telefones disponíveis no site da empresa, mas não conseguiu atendimento.
O Decreto nº 5.296 determina que as empresas “devem priorizar o embarque e desembarque dos usuários” e que elas deveriam começa a substituição por veículos adaptados em 2004. O documento definia um prazo de dez anos para que toda a frota se tornasse acessível. A fiscalização do transporte intermunicipal é de responsabilidade do Departamento de Edificações, Estradas e Rodagens de Minas Gerais (DEER-MG). Na rodoviária de Juiz de Fora não havia, nesta quinta-feira (28), nenhum representante do órgão. Procurada pela Tribuna, a assessoria informou que “a frota de ônibus que opera no sistema rodoviário intermunicipal, com idade média de sete anos, atua de acordo com a legislação vigente e as características específicas correspondentes ao ano de fabricação do veículo.” Em nota, explicou que a fiscalização é feita quando o veículo entra no sistema e, posteriormente, em ações eventuais. O órgão alegou que a portaria 269/2015 do Inmetro estabelece que os veículos fabricados a partir de 1º de julho de 2018 deverão possuir obrigatoriamente plataformas elevatórias. “A substituição será de forma gradativa.”
Já a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) tem a função de regular e fiscalizar o transporte interestadual. O funcionário presente na rodoviária de Juiz de Fora explicou que não estava autorizado a conceder entrevistas. Procurada pela Tribuna, a assessoria em Brasília disponibilizou a Resolução nº 3.871 que estabelece condições específicas de acessibilidade a serem cumpridas. O documento determina que “as empresas devem tomar providências necessárias para assegurar instalações e serviços acessíveis” e “providenciar os recursos materiais e pessoal qualificado para prestar atendimento prioritário”. Há ainda a exigência de garantir o embarque ou desembarque de pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida por meio de alternativas, como passagem em nível da plataforma, dispositivo de acesso instalado no veículo, rampa móvel e plataforma elevatória. A agência não concedeu informações sobre como é feita a fiscalização do serviço.
O gerente da Sinart, responsável pela administração do Terminal Rodoviário Miguel Mansur, Artur Bittencourt, negou que o local não seja acessível.
“A responsabilidade dos veículos é de cada empresa. Inclusive, esta acessibilidade deve ser garantida não só na rodoviária, mas em todos os pontos de embarque e desembarque. Nós temos a cadeira de transbordo para oferecer apoio.”
Ele afirmou que a administradora trabalha na oferta de acessibilidade dentro do espaço do terminal. “Temos banheiros adaptados, sistema de som para auxiliar pessoas com deficiência visual, piso tátil, rampa, vagas no estacionamento, cadeira de rodas comum e funcionários treinados para o atendimento deste público.”
Sedecon aponta discriminação e constrangimento
O superintendente do Serviço de Defesa do Consumidor de Juiz de Fora (Sedecon-JF), Nilson Ferreira Neto, avalia que a situação vivida pelas pessoas com deficiência na rodoviária de Juiz de Fora é “desrespeitosa” e configura em “prática abusiva e ilegal” passível de ação judicial. “A pessoa com deficiência deve ter assegurado todos os direitos, como qualquer consumidor. Ela pode receber atendimento prioritário e especial, mas jamais discriminatório. Colocar os passageiros sem deficiência em um veículo separado para viajarem mais cedo é discriminar, é não tratar de forma igualitária.”
Nilson destaca que os ônibus são obrigados a garantir a viagem. “Esta situação do consumidor que comprou a passagem ser impedido de viajar porque o veículo não oferece condições está errada.” Ele alerta que quem não embarcou deve receber restituição integral. “Caso a empresa não o faça, a orientação é buscar os órgãos de defesa para auxílio. Eles também podem pleitear o Juizado Especial para mover uma ação de indenização por danos morais por conta do constrangimento deste episódio.”
Fonte: Tribuna de Minas
De Gracielle Nocelli
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