Rio de Janeiro-RJ. BRT: mais um 'legado' que chega ao ponto final



Um ano depois da Olimpíada no Rio, e três após a Copa do Mundo, o legado dos grandes eventos esportivos continua sendo uma decepção para os cariocas que, na época, ansiavam melhorias na infraestrutura da cidade. Uma das principais promessas do então prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), o BRT, poderá inclusive ter que fechar 22 estações do corredor Transoeste, que custou R$ 100 milhões aos cofres públicos, prejudicando diretamente mais de 30 mil passageiros e evidenciando uma grave falha de planejamento. Os motivos, segundo o consórcio que administra o sistema, são a falta de segurança nas estações, que acabam depredadas, e o grande número de pessoas que entram nos ônibus sem pagar.

O sistema BRT é formado por ônibus articulados que trafegam por três corredores expressos e só param nas estações. Nesse sistema, os passageiros pagam previamente o bilhete. Atualmente, os três corredores – Transoeste, Transolímpica e Transcarioca – transportam 380 mil passageiros por dia. Só o Transoeste, que liga a zona oeste à Barra da Tijuca, transporta 135 mil passageiros. Para sua viabilidade, várias linhas de ônibus deixaram de existir ou se tornaram apenas alimentadoras, fazendo com que os passageiros dependam, obrigatoriamente, do BRT para se deslocar. Porém, o consórcio alega que muitos casos de vandalismo contra os ônibus e as estações geram um grande prejuízo as 11 empresas membros.

Além disso, outro problema se somou ao cenário: as empresas em crise não estão conseguindo entregar integralmente a frota. O BRT Rio planeja as viagens conforme a demanda ao longo do dia. Para tanto, precisa receber os ônibus e a mão de obra - sobretudo motoristas - das empresas contratadas pelo Poder Público. 

A diretora de Relações Institucionais do BRT Rio, Suzy Balloussier, avalia que, embora o BRT seja uma parceria público-privado, o Poder Público não tem feito sua parte. "Não estamos pedindo dinheiro. Estamos pedindo que os órgãos públicos atuem naquele eixo, para podermos continuar operando. A coisa é séria. Não é qualquer vandalismo. É tiro, incêndio, quebra de portas, pedradas de fora para dentro. É caso de segurança pública."

Segundo a Secretaria Municipal de Transportes, as solicitações do consórcio já foram respondidas e a maioria das reivindicações refere-se a questões de segurança pública, afeitas a outros órgãos. Em nota, a pasta afirma que o BRT Rio tem obrigação de "manter os serviços operando de forma regular e satisfatória e que as reclamações referentes à segurança pública, que não são da alçada da SMTR, foram encaminhadas aos órgãos competentes". 

Por sua vez, a Polícia Militar informou que atua no entorno de todas as estações e age imediatamente sempre que acionada.

“A Transoeste é um dos únicos corredores que beneficiam a classe baixa, e que serve de estratégia de inclusão. O seu encerramento seria uma grande perda para a mobilidade e para essa parcela da população do Rio. A Secretaria de Transporte e a de Segurança tem que sentar e negociar para resolver esse problema. O que não pode é a Segurança Pública definir que parcela da população deve ou não ficar excluída do resto da cidade”, disse o economista Rafael Pereira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

“A concessão de transporte é um direito do indivíduo, de trafegar pela cidade, do ir e vir. Se existe vandalismo, então vamos fazer campanha para melhorar a segurança. O que está acontecendo é uma chantagem por parte do consórcio por motivos políticos”, concordou Carlos Murdoch, professor do instituto de Economia da UFRJ. 

Carlos recomendou que o poder público “abra a caixa de pandora” que são os contratos de concessão do BRT e VLT, para entender de onde veio essa Parceria Público-Privada. “O privado só ganha, e o público perde. A população arca com os impostos e gastos. Quer ver um exemplo? Se o VLT der prejuízo, a prefeitura é quem paga. Opa, que negocio é esse? Temos que olhar esses contratos para verificar a legalidade”, completou. 

O presidente do consórcio Santa Cruz, Orlando Pedroso Lopes Marques, convocado pela segunda vez para depor na CPI dos Ônibus do vereador Tarcísio Motta (Psol), faltou novamente à sessão na última terça-feira (14), em que falaria sobre supostas irregularidades nas licitações de transporte público no município durante a gestão Eduardo Paes (PMDB). A CPI também recebeu o ex-sub-secretário de Transportes do Rio, Rômulo Orrico Filho.

Na ocasião, Motta apresentou dois requerimentos: a prorrogação da CPI por mais 60 dias, para que haja mais tempo para interrogatórios e análises dos documentos; e a convocação do ex-prefeito do Rio Eduardo Paes. 

Com relação à prorrogação, a maioria decidiu votar o pedido no dia 21 de novembro, próxima terça-feira. Caso não haja prorrogação, a CPI acaba no dia 5 de dezembro ainda sem ouvir os empresários de ônibus e com apenas 25% dos documentos necessários para a análise. Quanto ao ex-prefeito, a maioria foi contra sua convocação, apesar de todos os depoentes afirmarem que as falhas do processo licitatório e de contratação foram decisões políticas do peemedebista.

benefício para quem?

Na Espanha de 1992, os Jogos de Barcelona são conhecidos como um dos que trouxeram maior benefício para a população local, com a recuperação de áreas degradadas da cidade, como a região portuária e melhoria do sistema de transportes. No Rio, o ex-prefeito Eduardo Paes chegou a afirmar que a cidade catalã foi seu modelo para realização dos Jogos na capital carioca. “Vamos deixar Barcelona no chinelo", prometeu Paes. Como exemplos de melhoria, o prefeito citou os avanços nas obras do metrô, do BRT, da Transcarioca e do VLT (veículo leve sobre trilhos).

Entretanto, o que se vê hoje é um prejuízo sem tamanho para a população carioca. As obras da Copa do Mundo e Jogos Olímpicos causaram a remoção de milhares de pessoas de suas casas e, na grande maioria dos casos, teve impacto negativo sobre a situação de moradia para a população. Essa conclusão é da própria ONU, que apresentou seu primeiro relatório completo sobre o impacto de megaeventos esportivos sobre a vida das pessoas nas cidades que os sediam, em Genebra, e desfez o mito de que apenas trazem benefícios à população. “Velhas disparidades parecem se exacerbar diante de um processo de regeneração e embelezamento das cidades”, afirmou a brasileira Raquel Rolnick, relatora das Nações Unidas para o Direito à Moradia. 

“O legado para o Rio virou muito mais um ônus olímpico, uma conta para pagar, que já apresenta a nota fiscal. A Olimpíada começou errada. Ela deveria pegar um pedaço da cidade que precisa ser melhorado. Barcelona recebeu investimento em uma região deteriorada. Aqui não, nós fizemos uma Olimpíada no meio da Barra da Tijuca, uma das regiões mais ricas da cidade. Em suma, foi um grande engodo em relação ao que poderia ter sido feito. O inferno agora é pagar essa conta”, disse Carlos Murdoch. 

O processo inicialmente previsto, mesmo o de revitalizar o Centro do Rio na região portuária, não deu certo, e agora a capital carioca tem que arcar com um legado de elefantes brancos, dívidas exorbitantes e uma crise econômica que parece não ter fim. 

“Eu acho que essa ideia do BRT é possível. Ficou faltando terminar o planejamento inicial, que não se concretizou. Já o VLT não entra nessa história. Ele é bonitinho, nunca anda lotado, e foi implantado para conectar o centro histórico a uma pseudo-expansão do centro que foi a aposta da zona portuária. Essa zona previa moradia social, e isso foi colocado de lado. Se investiu muito nos edifícios corporativos por causa da alta do petróleo na época. Foi tudo por água abaixo. A zona portuária é hoje uma cidade fantasma e vai ser por muito tempo”, explicou Carlos. 

De acordo com uma tese de doutorado criada pelo economista Rafael Pereira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defendida na Universidade de Oxford, as obras de mobilidade urbana para a Copa e Olimpíada favoreceram a parcela mais rica da população do Rio de Janeiro. “O que a gente espera de uma política de transporte é trazer benefício para a população menos privilegiada, e o que vimos foi um efeito oposto”, disse. 

O acesso médio por transporte público a empregos e escolas públicas diminuiu, de acordo com a pesquisa, aproximadamente 4% e 6% no período, respectivamente, com áreas mais ricas aumentando. Os dados revelados pela tese, que considera o período de 2014 e 2017 apenas no município do Rio, sugerem que, “contrariamente aos discursos oficiais do legado do transporte, as políticas de transporte recentes no Rio aumentaram, ao invés de reduzir as desigualdades socio-espaciais no acesso a oportunidades de emprego e educação”.

Ainda de acordo com o estudo, em 2014, os 10% mais pobres do Rio conseguiam chegar em uma hora a 15% dos empregos oferecidos no município. Em 2017, após R$ 13,6 bilhões de investimento, as condições de mobilidade urbana dessa parcela da população praticamente não mudaram - agora são 16%. Já os que estão no topo da pirâmide de renda foram os mais beneficiados. Em 2014, os 10% mais ricos acessavam 30% dos empregos em até uma hora. Hoje, chegam a 36% dos empregos.

“Mesmo que a gente não tivesse crise econômica, esses ganhos são maiores para a classe média e alta”, disse Pereira lembrando que não considerou a Transoeste porque ela já existia em 2014, e não entraria na lógica comparativa adotada para os outros corredores criados posteriormente. “A Transoeste é um dos investimentos que mais tem potencial para beneficiar a população de baixa renda pelo próprio percurso que ela faz”, acrescentou. 

Eduardo Paes

Como se não bastasse a crise que deixou pelo menos 1,3 milhão de desempregados no Estado, o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes voltou a chamar atenção da mídia, não por seu legado prometido, e sim por estar entre políticos citados em escândalos de corrupção. 

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentou na última terça-feira (14), ao Supremo Tribunal Federal (STF), denúncia contra o deputado federal Pedro Paulo (PMDB-RJ) e Paes, por crime eleitoral. Os dois foram flagrados fazendo carreata na capital do estado, no dia da eleição municipal, ação criminosa prevista no artigo 39 da Lei 9.504/97.

Além disso, o marqueteiro Renato Pereira, da Prole Serviços de Propaganda, afirmou, em delação premiada, que Eduardo Paes recebeu R$ 11,4 milhões via caixa dois durante a campanha eleitoral de 2012. Segundo o delator, o prefeito e então candidato à reeleição, avisou que o publicitário seria procurado por Leandro Azevedo, na época, executivo da Odebrecht, para que recebesse R$ 1,2 milhão.

Oficialmente, a campanha de Paes foi orçada em R$ 8,6 milhões, em valores declarados, mas o custo real com serviços de marketing chegou a R$ 20 milhões. Os pagamentos a Renato Pereira, de acordo com a delação, eram feitos a ele por Guilherme Schleder, que integrava a Casa Civil da prefeitura.

O esquema teria voltado a se repetir em 2015, quando Pedro Paulo foi candidato à sucessão de Paes. Outras duas fontes de pagamento identificadas pelo delator são o ex-secretário estadual de Saúde no governo de Sérgio Cabral, Sérgio Côrtes, preso na Operação Fratura Exposta, e as empresas de Jacob Barata, o “Rei do Ônibus” também preso na Operação Cadeia Velha, na última terça. 

“A Justiça está revelando ilegalidades de pessoas importantes que comandam as empresas de ônibus do Rio. Existe a crise econômica, mas também existe um problema na relação dessas empresas com o setor público e uma gestão truncada e pouca integrada. Falta transparência”, comentou o economista do Ipea, Rafael Pereira. 

Três dias após a delação de Renato Pereira, Sérgio Côrtes confirmou que fez doações ilegais para as campanhas de Luiz Fernando Pezão ao governo do estado em 2014 e de Pedro Paulo à prefeitura do Rio em 2016. O ex-secretário afirmou que foram repassados R$ 300 mil a Pezão via caixa dois, e R$ 150 mil para Pedro Paulo, entregues ao marqueteiro Renato Pereira. Ainda de acordo com Côrtes, os pedidos de doação foram feitos por Cabral, em 2014, e por Paes, no ano passado. 

O ministro Ricardo Lewandowski do Supremo devolveu à PGR o pedido de homologação do acordo de delação do marqueteiro. Na decisão, Lewandowski pediu que algumas cláusulas sejam revistas pela Procuradoria, como as que foram fechadas durante a gestão do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. O ministro entende que a maioria dos benefícios não pode ser concedida pelo Ministério Público. 

No acordo fechado, Renato Pereira recebeu perdão de pena em todos os crimes que confessou e foi penalizado somente por supostos desvios na campanha eleitoral de Pezão, em 2014. Pela conduta, o marqueteiro deveria cumprir quatro anos de prisão, divididos em um ano de recolhimento noturno e três anos de prestação de serviços comunitários, além do pagamento de R$ 1,5 milhão pelos danos causados pelos crimes.

Informações: Jornal do Brasil

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